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DAGMAR

Encontrei com ela ainda no ônibus. Diferente de todos os outros passageiros, conversava animadamente, feliz com a vida. Em primeiro momento fiquei irritada, carrancuda que sou desconfio de gente alegre demais, mas com o passar das horas de viagem solitária, acabei me divertindo muito com cada relato. E ria sozinha daquela senhora.

Liguei para os meus amigos que em Canindé já estavam: gente, achei nossa primeira entrevista! E como somos muito do “vamo? vamo!” acabou que fomos mesmo. Com muito receio, cutuquei a senhora da poltrona da frente, ela com olhinhos curiosos aceitou participar de uma das aventuras mais inesperadas que a academia já proporcionou.

 

Conheceu São Francisco após uma promessa que resultou em milagre: a sua vida. Na sala de cirurgia, como toda boa mãe a lembrança de seus filhos pesava mais. Uma mulher - como tantas - que se apegou a fé para superar dificuldades.

 

Contou-nos também, com pesar, a perda recente de um de seus filhos. A saudade que sentia podia ser captada na estampa de sua blusa. Dagmar, com 69 anos de muitas histórias, umas difíceis demais para menos de um século de vida.

 

Com um jeito afetuoso despediu-se de nós três, não trocamos telefone, não sabemos ao certo se ela foi embora naquele mesmo dia ou não, o que sabemos com certeza é que ela deve estar planejando sua volta à Canindé para o próximo 4 de outubro.

DONA PRETA

Da fotografia dela eu me lembro bem, mas o primeiro olhar foi do Robert, enquanto subia a ladeira, e não da lente.

 

Solitária, sentada em uma cadeira, a senhora observava o vai e vem de gente. O calor era tanto, mas ela com seu chapéu de palha parecia inabalável. Com um sorriso de canto de boca, tímida, respondia pacientemente cada pergunta feita, com uma paz só dela.

 

Seu apelido surgiu graças às memórias de infância, quando uma tia torrava café e dava a colher para ela lamber, e passou a chamá-la de Pretinha. Ela cresceu e o apelido amadureceu também, acompanhando-a na velhice, sendo conhecida por Dona Preta.

 

Qual não foi nossa surpresa quando declarou que era de Tocantins, e que, sua fé foi combustível para enfrentar os mais de 1000 km de estrada até Canindé, e que há mais de 25 anos visita a cidade da fé, aqui, no Ceará, em homenagem à São Francisco, e prometeu continuar vindo enquanto for viva.

 

Maria Pereira Montenegro, que confundiu Robert com uma menina, continuou observando o vai e vem de gente enquanto prosseguimos em busca de histórias, não deu pra captar sua fé com as lentes, porque era fé demais, mas o sorriso a gente conseguiu.

TERESINHA MELO DA SILVA

Vestida à caráter, caminhando lentamente, avistei ela. Com cabelos branquinhos e analisando os santos na loja, queria falar com ela, e percebi que esse negócio de entrevistar um desconhecido requer mais coragem do que se imagina.

 

Comentou que fazia poucos meses que tinha voltado a andar, e mesmo assim não perderia a procissão, convicta de que ficaria tudo bem, pois Deus estava no comando e São Francisco em segundo plano.

 

A gratidão dela pelo santo não tinha limites, e trouxe ela do Maranhão até o Ceará para participar das festividades religiosas. Teresinha, que não é só uma mulher de muita fé, mas uma professora de história de muita fé. Carinhosamente pontuou seu trabalho em uma escola para crianças que segundo ela são “desprezadas”, enfatizando que são essas que ela mais tenta ajudar.

 

Tinha um brilho singular ao comentar a emoção que sente em Canindé, ao observar a chegada das pessoas, a procissão, a igreja lotada de fiéis, toda essa sensação de se estar onde se quer e deveria estar, e tinha uma ponta de tristeza quando declarou que não podia vir mais vezes ao ano.

 

Seguiu caminhando lentamente, e se perdeu na multidão de gente vestidos de marrom.

O PADRE E A FREIRA

Já estávamos quase indo embora, quando finalmente avistamos os dois. Tínhamos tentado contato com outros padres, mas na correria em que eles estavam, não foi possível. E ao findar do dia, eis que conseguimos.

 

O obturador não foi tão rápido ao ponto de fotografar a lágrima rolando, mas ela esteve lá, quando ambos emocionados comentaram ser a primeira vez deles na grande festa religiosa.

 

Ver a emoção de alguém tão de perto motivada pela fé, foi uma surpresa. Uma emoção silenciosa, sussurrada, mas tocável, expansível, silenciosa o bastante para não incomodar mas intensa o suficiente para arrepiar os poucos momentos em que conseguimos observar.

 

Frei Luiz muito ansioso e emocionado disse que a primeira palavra que deve ter dito na verdade foi uma frase “quero ser padre”, o que causou risadas entre nós. Vimos os dois correndo indo apreciar o momento de fé com os fiéis.

 

Na rodoviária voltamos a nos encontrar, eles apressados como sempre, nós cansados. Acabamos pegando o mesmo ônibus. Eles acabaram descendo no terminal do Siqueira, e sabe-se lá para onde mais os dois foram, mas eu sei que a fé que eu vi de perto traduzida em forma de lágrima os acompanha.

Universidade Federal do Ceará

Trabalho produzido para a cadeira de Fotojornalismo

Curso de Jornalismo

Novembro de 2018

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